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Literatura Portuguesa



David Mourão Ferreira

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A 16 de junho de 1996, morre, em Lisboa, o escritor, jornalista, poeta e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, David Mourão-Ferreira.

Breve biografia

David Mourão-Ferreira, considerado um dos maiores poetas contemporâneos portugueses do Século XX, nasceu em Lisboa, a 24 de fevereiro de 1927.

Era filho de David Ferreira, secretário do diretor da Biblioteca Nacional de Portugal.

Frequentou o Colégio Moderno e licenciou-se, no ano de 1951, em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde, a partir de 1958, exerceria o cargo de assistente.

De 1963 a 1973, foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores.

Para além da sua vasta obra como escritor e poeta, colaborou em diversos jornais e revistas, entre os quais destacamos o Diário Popular e a revista Seara Nova. Depois da Revolução dos Cravos, exerceu os cargos de diretor de A Capital e diretor-adjunto de O Dia.

Desempenhou, ainda, funções governativas, tendo sido nomeado para o cargo de Secretário de Estado da Cultura. Foi ele que assinou, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.

Na televisão foi autor de alguns programas, com destaque para Imagens da Poesia Europeia, que foi transmitido na RTP.

A 13 de Julho de 1981, foi condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, elevado, a 3 de junho de 1996, para a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Nesse mesmo ano, recebeu o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.

Em 2005. a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor atribuindo o seu nome a uma avenida no Alto do Lumiar.

Entre as suas obras poéticas mais representativas, citamos A Secreta Viagem e Tempestade de Verão.

Na ficção narrativa, destacamos Gaivotas em Terra, As Quatro Estações e Um Amor Feliz.

Faleceu, em Lisboa, a 16 de junho de 1996.

Entrevista

O Diário Popular de 23 de julho de 1959 insere uma entrevista feita a David Mourão-Ferreira, na qual este escritor português, na altura com 32 anos de idade, se pronuncia sobre o seu ato de escrita.

Eis algumas das passagens mais interessantes:

«Corrigir. Corrigir muito: anoto, risco, reescrevo, volto a riscar; a reescrever, às vezes; a escrever, por fim.»

[…]

«Esboço geralmente um plano de trabalho; e, geralmente não o cumpro.»

[…]

«A Inspiração? Aqui para nós, trata-se de uma rapariga fascinante – mas caprichosa como o diabo.»

Fonte: Diário Popular n.º 6029, de 23-07-1959, Suplemento Quinta-feira à tarde pp. 1, 8 e 13

Poemas selecionados

PENÉLOPE

Mais do que um sonho: comoção!
Sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.


PARAÍSO

Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.


SONETO DO AMOR DIFÍCIL

A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa...

Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe
de súbito surgido à flor dos limos.

E deste amor difícil só nasceu
desencanto na curva do teu céu.


PRIMAVERA

Todo o amor que nos prendera
como se fora de cera
se quebrava e desfazia
ai funesta primavera
quem me dera, quem nos dera
ter morrido nesse dia

E condenaram-me a tanto
viver comigo meu pranto
viver, viver e sem ti
vivendo sem no entanto
eu me esquecer desse encanto
que nesse dia perdi

Pão duro da solidão
é somente o que nos dão
o que nos dão a comer
que importa que o coração
diga que sim ou que não
se continua a viver

Todo o amor que nos prendera
se quebrara e desfizera
em pavor se convertia
ninguém fale em primavera
quem me dera, quem nos dera
ter morrido nesse dia



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